O aniversário era da Ciência, mas o povo não recebeu o convite
No dia 8 de julho ocorreu na Quinta da Boa Vista (em frente ao Museu Nacional) uma celebração do aniversário de 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), 200 anos do Museu Nacional e Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador, evento denominado Domingo com a Ciência na Quinta. De acordo com a organização, o intuito desta celebração - ato seria “chamar a atenção da população para a grave crise da ciência, tecnologia, inovação e educação no Brasil”. Portanto, a fim de cumprir este objetivo, foram instaladas às portas do Museu Nacional diversas tendas onde instituições como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Observatório Nacional (ON) e entidades como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes - SN), Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de janeiro (AdUFRJ), entre outras, aproveitavam para realizar experimentos científicos com os visitantes e conversar com a população sobre os graves cortes que a ciência tem sofrido. Algo a priori louvável e necessário de sempre se fazer, porém alguns aspectos deste Domingo com a Ciência saltam aos olhos.
O que podemos destacar já de início é algo que, apenas ao olhar, ficava bem evidente: o predomínio de pessoas brancas e de classe média presentes no evento. Algo que, devido ao caráter quase aristocrático que a ciência possui, já deveríamos esperar. No entanto, ao andarmos pela Quinta da Boa Vista (pois o Museu Nacional fica numa parte mais alta e isolada) o quadro mudava drasticamente, era possível ver famílias que de fato representavam a população brasileira. Famílias brancas acostumadas com ciência em seus cotidianos davam lugar às pardas e negras, àquelas cujas participações nos diversos campos científicos foram-lhes negadas, àquelas cujo papel relegado é ser alertada sobre “a grave crise da ciência, tecnologia, inovação e educação no Brasil” e lutar por mais investimentos na ciência, pois aparentemente sua participação na construção dela não é necessária. Com isto, um evento com potencial enorme dada a localização e condições climáticas (domingo de sol com temperatura agradável e entornos do Museu cheio), se contrapôs a ausência de divulgação na própria Quinta da Boa Vista, o que materializou, como consequência, um evento que mais parecia um encontro de amigos e uma egotrip coletiva do que uma manifestação em defesa da ciência.
Vale ressaltar a importância de ocupar espaços públicos hoje em dia. Em um mundo onde o privado, pago e individual ganha cada vez mais força, a luta pelo gratuito, público e coletivo é crucial. Entretanto, a realização de eventos como este do dia 8 de julho não basta por si só. Pensar soberania e desenvolvimento nacional é pensar a emancipação das pessoas que esta terra habitam. Quando digo pessoas, refiro-me à parcela mais fragilizada da população. Refiro-me a nós, pobres, suburbanos, baixadenses e todas e todos os moradores das periferias dessa cidade. Quando escrevo estas palavras, penso por aqueles que, assim como eu, têm em seu cotidiano uma batalha incessante, fazem de sua existência luta política, da ocupação de espaços “pertencentes” aos privilegiados de nossa sociedade desigual a construção de um futuro onde não sejamos tratados como mercadoria, onde não sejamos tratados como objetivos e sim como os sujeitos que somos, como o coletivo que compomos. Não há educação e ciência emancipatória se o povo não fizer parte dessa construção. Não queremos ser espectadores. Por uma ciência que não apenas dialogue com o povo, mas que seja falada por ele.
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