Rio de Janeiro-RJ: Ato dos Servidores do Estado
O dia 02 de março amanheceu com estudantes da rede estadual de ensino ocupando as ruas de várias cidades do estado do Rio de Janeiro. Só em Niterói, pelo menos 13 Colégios Estaduais estiveram em passeata. Colégios em São Gonçalo e Rio de Janeiro também ocuparam as ruas contra o sucateamento do sistema de ensino.
Às 10 horas da manhã iniciou a assembleia geral dxs Professorxs do Estado, que ao final decidiram pela manutenção do estado de greve. Às 13 horas, muitos colégios estaduais fizeram sua concentração para seguirem para a Assembleia Legislativa do Estado (ALERJ) onde estava marcado o Ato dxs Servidorxs do Estado do Rio de Janeiro, organizado pelo Movimento Unificado dxs Servidorxs Públicos Estaduais (MUSPE).
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A ALERJ estava tomada por mais de 10.000 pessoas. O investimento nessa passeata era visível, havia um enorme outdoor no alto de um prédios atrás da ALERJ, com o desenho de uma mão e escrito “BASTA”, foram distribuídas camisas e bandeiras com o mesmo dizer e ainda a frase: “ato contra o governo Pezão”. Um grande carro de som também serviu para que os grupos ligados à MUSPE pudessem falar ao microfone.
Apesar de ter sido um ato dxs Servidorxs Públicos em geral, este dia era dedicado à educação e era notório a maioria de estudantes, professorxs e funcionárixs da educação em geral. Alguns vieram fantasiadxs e trouxeram tambores e outros instrumentos de som.
No entanto, este movimento unificado mostrou conter algumas contradições. Muitxs servidorxs públicos acusavam a organização de “peleguismo”, termo atribuído à pessoas, grupos, partidos ou sindicatos que se dizem lutarem pelos direitos dxs trabalhadorxs mas acabam fazendo o contrário, firmando acordos com o governo ou patrões.
Uma servidora do judiciário fez questão de nos dar uma entrevista e denunciar que seu sindicato e a MUSPE não agiam de forma democrática e que atuavam em benefício do governo do estado (veja o vídeo acima). Alguns professores repudiaram os constantes agradecimentos a Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro e por ter sido a categoria que mais teve representantes ao microfone. Um professor alegou que desde 2009 (e mesmo antes), a PMERJ não mede esforços para agir com violência contra os protestos de greve dos professores.
Em 2009 dezenas de professores saíram feridos por ação truculenta em protesto na ALERJ e em 2013, quando os professores ocuparam a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, a PMERJ agrediu professores dentro da câmara e fora dela em uma ação ilegal. Uma professora chegou a quase falecer devido a bombas de gás jogadas indevidamente dentro de estações de metro e outras foram retiradas a força puxadas pelos cabelos de dentro da Câmara Municipal.
Outras pessoas reclamaram que “o carro de som só dá voz para um pequeno grupo e não dá voz para a base”. Apesar disso, muitas musicas e palavras de ordem puderam ser ouvidas para além dos discursos do carro de som. Uma fogueira foi acesa com lixos por grupos independentes, enquanto gritos e músicas eram cantadas para chamar a atenção para outras pautas que estavam sendo deixadas de lado.
Após as 17 horas, a manifestação saiu em direção à Cinelândia. Devido as divergências contra a organização, a passeata se dividiu em duas. A parte da frente continha, em sua maioria, os grupos contrários a organização, formado principalmente pelas bases e grupos independentes, e a parte que ficou para trás, chegando apenas algum tempo depois à Cinelândia, era composto pelo carro de som, a organização e servidores aliados, além dos manifestantes que não eram servidores públicos ou não sabiam das divergências do ato.
Uma das divergências era o fato de a organização do ato e demais partidos focarem suas pautas quase exclusivamente contra o governador Pezão e/ou a presidenta Dilma, atribuindo a estes todos os problemas da educação ou da precariedade do Serviço Público em geral. Enquanto outros grupos alegavam que o problema ia além da simples má administração destes governantes.
Como disse o antropólogo Darcy Ribeiro há mais de meio século: "A crise da Educação no Brasil não é uma crise, é um projeto." Denunciando que o problema é muito anterior ao atual governador e a atual presidente e mostra também que a educação não melhorará apenas com a saída destes. A educação brasileira foi projetada para ser precarizada e será mantida assim enquanto não houver uma mudança muito mais estrutural no sistema atual do que simplesmente trocar governantes.
Atribuir ao Pezão todas as mazelas da educação é jogar para debaixo do tapete o real problema, pois qualquer um pode se certificar que, mesmo antes deste governo, as escolas estaduais já vinham muito mal. Que as greves de professores e de alunos já ocorrem desde muito antigamente e certamente nada disso mudará apenas com uma nova eleição.
Uma servidora pública do judiciário (veja o depoimento no vídeo acima) fez questão de dizer:
“eu sou apartidária, eu sou adepta de que eleição é farsa e não muda nada não […] eu não acredito mais em partido, mas acredito nas pessoas […] a gente está virando um país da ditadura, tão igual ou pior que ela, porque a gente tem uma democracia mentirosa, que todo mundo que vai reivindicar seus direitos: é bala de borracha, é bomba, é prisão, é criminalização dos militantes.”
Esse discurso mostra uma preocupação para além de partidos políticos ou maus governantes, uma preocupação com um estado que, apesar de se dizer democrático, é opressor. Para um estado opressor a escola e a universidade não devem formar pessoas que pensem criticamente, mas apenas formas cidadãos treinados para o mercado de trabalho, que obedeçam e aceitem sua sujeição sem se rebelarem.
“O estado veio quente, "nois" já tá fervendo. Quer desafiar? Não to entendendo. Mexeu com estudando você vai sair perdendo” (música de protesto dos estudantes contra o estado)