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México: 2 anos do desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa

Setembro 26, 2016 - 00:00
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Na noite do dia 26 de setembro de 2014 policiais municipais fardados e em traje civil da cidade de Iguala (estado de Guerrero), atacaram a tiros covardemente aos estudantes da Normal Rural de Ayotzinapa, que se encontravam nesse dia na cidade de Iguala, fazendo uma coleta de recursos entre a população local para a manutenção da escola e para assistirem a marcha nacional em memória do assassinato dos estudantes de 1968, a realizar-se no dia 2 de outubro na cidade do México. Os estudantes estavam em cinco ônibus que seguiam à passeata na cidade, mas três foram na direção errada. Os estudantes desses ônibus desceram para perguntar sobre a saída correta e então ocorreu o primeiro ataque. Várias pessoas começaram a correr e, apesar da rua cheia de gente, não houve feridos. Os estudantes jogaram pedras e afugentaram as viaturas. Depois, esses três ônibus conseguiram continuar na direção certa, porém, o segundo ataque ocorreu algumas ruas antes de pegarem a estrada que levava à Cidade do México e foi nesta que os 43 foram levados.

Os normalistas, que viajavam nos outros dois ônibus, chegaram a cidade de Iguala onde receberam o pedido de socorro dos seus companheiros. Os estudantes chamaram a imprensa local, mas nesse momento, outro comando abriu fogo a distância, deixando vários feridos e dois estudantes mortos. Os atacantes pararam para recarregar suas armas e foi essa a oportunidade que os estudantes tiveram para fugir.

Nessa noite, um ônibus de jogadores de futebol também foi atacado por engano por policiais. Ali morreram mais três pessoas. Ao fim dessa noite, havia seis mortos, 29 feridos por arma de fogo e 43 desaparecidos.

Os estudantes sofreram quatro ataques entre a noite de 26 de setembro e a madrugada do dia 27.

Na manhã do dia 27 de setembro, o corpo de Julio Cesar Mondragón, o terceiro estudante assassinado, foi encontrado nas imediações com o rosto destruído, sem um dos globos oculares e a calça enrolada até a debaixo dos glúteos. Não tinha marcas de tiro, morreu por fratura do crânio, segundo a autópsia.

 

 

A PARTICIPAÇÃO DAS VÁRIAS ESFERAS DO ESTADO MEXICANO NO MASSACRE E DESAPARECIMENTO FORÇADO EM IGUALA REVELADAS PELA INVESTIGAÇÃO INDEPENDENTE

A incapacidade deliberada do Estado mexicano em investigar e promover justiça e reparação nos graves casos de violações de direitos humanos que se sucedem no país, levou aos familiares dos estudantes desaparecidos ou assassinados nos eventos de 26-27/09/2014, apoiados por organizações defensoras de direitos humanos a buscarem imediatamente apoio internacional independente para a averiguação do caso em todos os seus detalhes. Em outubro a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma medida cautelar com recomendações urgentes ao Estado mexicano, e com base nela, em novembro, foi acertado a formação de um Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (conhecido pela sigla em espanhol GIEI – Grupo Interdisciplinario de Expertos Independientes) para trabalhar junto às vítimas e familiares, bem como a organizações da sociedade civil e ao Estado mexicano. As vítimas e familiares ainda contaram com a colaboração de outros grupos de apoio internacional, como o Equipo Argentino de Antropologia Forense (EAAF).

Fato sem precedentes em violações massivas de direitos na América Latina, esse acompanhamento internacional pôde acompanhar em tempo real as investigações oficiais (realizadas sob coordenação da Procuraduría General de la República – PGR), realizar suas próprias investigações independentes e, assim, mostrar as inconsistências e insuficiências da versão do Estado mexicano. Esta foi apresentada quatro meses após os eventos violentos como uma “verdade histórica” pela PGR, que em resumo seria essa:

  • Os normalistas de Ayotzinapa, após realizarem a tomada dos ônibus em Iguala, foram bloqueados pela polícia municipal de Iguala e Cocula (um município vizinho), sofreram ataques de homens armados que resultaram em 3 estudantes mortos, alguns fugiram, outros foram detidos pelos municipais e entregues à organização criminosa Guerreros Unidos, à qual estava vinculada o então prefeito de Iguala;
  • Os estudantes sequestrados teriam sido mortos, seus cadáveres incinerados em um lixão em Cocula, os restos triturados, colocados em bolsas e lançados num rio próximo;
  • Quanto às motivações, a versão da PGR sugere que os normalistas pretendiam protestar num evento político da esposa do prefeito de Iguala que acontecia dia 26, o que teria desencadeado a represália por parte do mesmo, e que os estudantes também estariam infiltrados por um grupo criminoso rival dos Guerreros Unidos.

Essa narrativa dos fatos procura limitar a responsabilidade dos crimes às polícias municipais (que no México exercem as mesmas funções de policiamento ostensivo da PM no Brasil) de Iguala e, em menor proporção, Cocula, e ao governo de Iguala, subestimando ou omitindo a participação de forças estaduais (do estado de Guerrero) e federais (polícias federais e exército).

A investigação do GIEI, cujas conclusões foram apresentadas em dois longos e detalhados informes, o último dos quais em março deste ano, questiona essa suposta “verdade histórica” através das seguintes evidências:

  • Provas testemunhais, telefônicas, e do próprio sistema de intercomunicação entre as forças policiais (que, desde que foi declarada a chamada “guerra ao narcotráfico” em 2006, inclui o exército), indicam a presença das polícias estaduais e federais em todos os momentos chave dos eventos violentos, inclusive na retirada violenta dos estudantes dos ônibus e nos bloqueios das estradas. Tais forças, portanto, tiveram uma atitude, no mínimo, complacente aos ataques armados executados por grupos não-fardados, em pelo menos três momentos, todos eles muito próximos dos bloqueios de trânsito montados pela polícia. As mesmas provas também indicam que o exército tinha pleno conhecimento em tempo real do que sucedia, soldados estiveram presentes em momentos chave e inclusive participaram de abordagem intimidadora a estudantes detidos em um hospital;
  • Não existem quaisquer indícios que os normalistas pretendiam interferir no evento da esposa do prefeito, nem que estivessem infiltrados por quaisquer grupos de narcotraficantes;
  • Mais de uma perícia científica (inclusive do EAAF) descartou a possibilidade de que os corpos dos estudantes pudessem ter sido incinerados no lixão de Cocula, no tempo e nas condições que foram apresentadas, sem deixar vestígios.

Apenas os restos mortais de um único estudante puderam ser positivamente identificados, mas as circunstâncias em que foram encontradas são muito suspeitas. No dia 29/10/14, uma bolsa que continha fragmentos de ossos foi encontrada, segundo anunciou a PGR. Contudo, o GIEI obteve e divulgou vídeos feitos por jornalistas mostrando que, exatamente no mesmo lugar, na margem do rio San Juan, integrantes da PGR estiveram no dia anterior, conduzindo dois acusados que teriam confessado participação no crime. Essa “visita” anterior ao local não consta de nenhum registro do inquérito.

O GIEI ainda apontou muitos outros problemas nas investigações, assim como também no atendimento e apoio aos sobreviventes e familiares das vítimas, por parte do Estado mexicano. Podemos destacar o seguinte:

  • A versão oficial afirma que todos os celulares dos estudantes sequestrados foram incinerados junto com os corpos, mas o aparelho de um dos estudantes enviou uma mensagem uma hora após o horário no qual, segundo a GIEI, houve a incineração;
  • A PGR e o Estado mexicano não permitiram ao GIEI entrevistar diretamente os militares que estiveram presentes ou sabiam do desenrolar dos eventos, concedendo apenas a apresentação de questionários por escrito;
  • É inegável a participação, nos ataques, também da polícia municipal de Huitzuco, outra cidade vizinha a Iguala, o que não aparece na versão oficial;
  • A versão oficial inicialmente omitiu a existência de um quinto ônibus de estudantes, que foi bloqueado em outro lugar mais distante, invadido por policiais federais que obrigaram os estudantes a baixarem, permitindo-lhes fugir posteriormente. Em vista das provas colhidas pelo GIEI, a PGR apresentou finalmente um quinto ônibus, mas que não corresponde de maneira nenhuma ao que aparece nos vídeos. Esse quinto ônibus é chave para a investigação de uma importante hipótese sobre a motivação do crime, uma vez que se sabe que ônibus de linha são utilizados pelo narcotráfico para levar heroína produzida em Guerrero para os Estados Unidos;
  • Embora todos os eventos violentos que ocorreram ao longo de cerca de 80 km, nas vizinhanças da estrada Iguala-Chilpancingo (capital de Guerrero), estiveram claramente coordenados e relacionados ao controle de tráfego visando capturar os ônibus dos estudantes e eliminar testemunhas das violações, a investigação oficial fragmenta os inquéritos, dificultando o cruzamento de dados e formação de um quadro geral. Em especial, foi destacado do inquérito principal o ataque que sofreram automóveis e o ônibus que conduzia o time de futebol Los Avispones, que voltava de Iguala para Chilpancingo na noite de 26/9, no qual morreram três pessoas e várias outras ficaram feridas.

A CIDH conseguiu junto ao Estado mexicano renovar por 6 meses o acordo inicial para a atuação do GIEI. Entretanto, no final desse novo período, se intensificaram ataques midiáticos e tentativas de difamação e suspeição contra membros do Grupo, e, em abril último, o Estado mexicano negou uma nova renovação do acordo, conforme solicitado pela CIDH. Com isso, o GIEI deixou de existir, e assim a investigação questionável da PGR não tem mais o principal controle externo independente que revelou todas suas falhas e manipulações. Mas, é evidente que essas falhas não são decorrentes de limitações técnicas, mas de tentativas deliberadas de ocultar ou dissimular a responsabilidade das várias esferas do Estado mexicano no desaparecimento forçado dos 43 de Ayotzinapa e nos outros crimes cometidos nos dias 26 e 27 de setembro de 2014.

 

LINHA DO TEMPO DO CASO DOS 43 DESAPARECIDOS DE AYOTZINAPA

26/09/2014: Na noite do dia 26, aproximadamente 110 estudantes da Escola Normal foram atacados por policias quando se dirigiam de ônibus para a Cidade do México para participar de um ato politico. 43 deles desaparecem, 3 estudantes morem durante os confrontos e 25 ficaram feridos, os 13 restantes conseguiram escapar e regressaram alguns dias depois.

27/09/2014: Familiares e organizações sociais do Estado de Guerrero realizam marchas para exigir a apresentação com vida dos estudantes.

28/09/2014: Policias municipais são detidos e o prefeito da cidade de Iguala é responsabilizado pelos ataques.

02/10/2014: Nessa data, anualmente se realizam passeatas para em memória do massacre de estudantes que ocorrido em 1968 pelas forças militares. Nesse dia acontecem as primeiras manifestações dedicadas aos 43.

10/2014: Os familiares dos estudantes encontram mais de 20 fossas com restos humanos nos arredores da cidade de Iguala. Nenhuma corresponde aos restos dos 43 estudantes. Em todo México, várias universidades fazem greve em solidariedade à Ayotzinapa.

25/10/2014: Ocorre jornada de protestos em todos os estados da República mexicana e em vários países do mundo em solidariedade com os 43.

29/10/2014: Pela primeira vez os familiares dos estudantes são recebidos pelo presidente do México. Eles exigem uma investigação por especialistas independentes. O presidente do México aceita um convênio de colaboração com a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH).

07/11/2014: O Procurador apresenta a primeira versão da investigação. Também assegura que os estudantes foram queimados no lixão de uma cidade vizinha, porém, nenhum dos restos humanos (mais de 30 corpos) encontrados no lixeiro correspondiam aos estudantes segundo os peritos argentinos (Equipo Argentino de Antropología Forense).

06/12/2014: Pela primeira vez os restos de um estudante desaparecido (Alexander Mora Venancio) são identificados pela universidade de Innsbruck. A polícia assegura ter encontrado os restos perto do lixão.

27/01/2015: O Procurador apresenta as “conclusões “ da investigação: os responsáveis são, segundo a Justiça mexicana, um cartel de narcotraficantes local em colaboração com os policiais municipais. Repete que os estudantes foram assassinados, queimados no lixão e os restos jogados em um rio próximo. O caso fica oficialmente fechado.

30/01/2015: O GIEI (Grupo Interdisciplinario de Expertos Independientes) da CIDH começa a sua investigação e realiza várias visitas ao México.

08/02/2015: Os peritos argentinos apresentam um relatório mostrando as inúmeras irregularidades e a impossibilidade dos corpos terem sido queimados no lixão. Exigem a intervenção do Conselho dos Direitos Humanos da ONU na Suíça.

03/2015: Se intensifica a denúncia internacional do caso. Os familiares dos 43 organizam caravanas nos Estados Unidos e na Europa.

26/03/2015: Decimo dia de ação global em solidariedade à Ayotzinapa no México e no mundo.

24/05/2015: A Caravana Sul-Americana chega a Buenos Aires.

07/06/2015: Familiares e organizações sociais queimam urnas durante as eleições. O Estado decide anular as eleições para governador e deputados locais no estado de Guerrero.

29/06/2015: O GIEI apresenta as primeiras informações aos familiares. Consideram também impossível a versão da PGR (Procuraduría General de la República). Os familiares exigem a investigação dos militares presentes na região.

17/08/2015: O GIEI não aceita que a entrevista com os militares fosse feita por escrito, como o Estado mexicano exigia.

06/09/2015: Primeiro informe do GIEI depois de 6 meses de trabalho. Apresentam vídeos e testemunhas inéditos que contradizem a versão oficial. Exigem a prolongação do trabalho e a reabertura do caso.

20/10/2015: O Estado mexicano firma um novo acordo de colaboração com o GIEI.

04/03/2016: O GIEI apresenta um informe sobre o caso no parlamento europeu.

01/04/2016 O Estado mexicano rompe o acordo de colaboração com o GIEI depois de uma perícia no lixão.

01/05/2016: Último informe do GIEI de 525 páginas. O GIEI conclui a necessidade de continuar a investigação sem limitações (com os militares) e com a participação do Estado mexicano que vem escondendo informações essenciais aos peritos. O Grupo apresenta como novidade, prova de que os celulares dos estudantes foram utilizados dias após o ataque. O GIEI faz uma série de recomendações sobre o desaparecimento forçado no México.

26/09/16: Dois anos do desaparecimento.

 

MAIS INFORMAÇÕES SOBRE OS 43

http://caravana43sudamerica.matesituada.org/

Por Rede de Coletivos por Ayotzinapa - Rio de janeiro

Por Rede de Coletivos por Ayotzinapa - Rio de janeiro

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